quarta-feira, 6 de maio de 2009

Dharma


Pouco após a sua Iluminação, o Buddha ("O Iluminado" ou “O Desperto”), proferiu o seu primeiro discurso definindo a estrutura básica sobre a qual se baseariam todos os seus ensinamentos seguintes. Essa estrutura básica são as Quatro Nobres Verdades, quatro princípios fundamentais da natureza (Dharma) que emergiram da avaliação honesta e profunda que o Buddha fez da condição humana e que definem toda a abrangência da prática Budista. Essas verdades não são afirmações de fé. São na verdade, categorias nas quais podemos enquadrar nossa experiência de tal forma a criar condições para a Iluminação:

 

1- A Existência do Sofrimento 

 

2- A Causa do Sofrimento: o Apego

 

3- A Extinção do Sofrimento: a Eliminação do Apego

 

4- O Caminho que Leva à Extinção do Sofrimento: o Nobre Caminho Óctuplo, composto por entendimento correcto, pensamento correcto, linguagem correcta, ação correcta, modo de vida correcto, esforço correcto, atenção plena correcta e concentração correcta.

 

 

 A Existência do Sofrimento

 

Toda existência senciente implica em sofrimento (Duhkha). Por "sofrimento", devemos entender que, de uma forma essencial, todo ser está mergulhado em algum tipo de ignorância consciencial. Isso implica que a maioria dos seres humanos "sofrem" por não saberem lidar com a existência de forma equilibrada, seja nas experiências consideradas "prazerosas" ou nas consideradas "dolorosas". O sofrimento ignorante é fundamentado pela angústia da frustração egóica, que se prende a um sem-número de expectativas lineares e ilusoriamente permanentes. Portanto, nós seres humanos sofremos de uma "doença" psico-espiritual, de consciência, que nos leva a lidar com os contactos perceptivos de forma frustrante.

 

Há oito espécies de sofrimento: nascimento, velhice, doença, morte, contacto com o que detestamos, separação do que amamos, objectivos inalcançáveis e o sofrimento inerente ao apego aos cinco agregados (elementos psicofísicos: forma, sentimentos, percepção, constituintes mentais e consciência).

 

Colectivamente são chamados de numa (nome) e rupa (forma). Assim, o composto de nome-forma é um sinónimo dos cinco agregados. Tanto os agregados físicos como os mentais são caracterizados pela impermanência, sofrimento e não-eu.

 


A Causa do Sofrimento

 

O sofrimento ocorre pelo desejo ignorante (Trshna). Aqui temos a base de todo o processo ilusório no qual os seres sencientes estão presos. No plano humano, o desejo ignorante ocorre em função de um estado de delusão ou "não-sabedoria" (avidya). Esta condição é um estado natural nos seres em sua origem, mas que não é impossível de ser superada à medida que um ser humano esforça-se em direcção à reflexão.

 

O desejo pode ser classificado em três tipos, baseados nos três modos de identificação egóica: Apego (o desejo projectado como forma de anseio passional), Aversão (o desejo projectado como forma de rejeição odiosa) e a Indiferença (os apegos e aversões desviados repressivamente numa atitude de falso alheamento). A Verdade da Causa do Sofrimento: a palavra da Índia traduzida como "causa" significa "vir junto, formar-se conjuntamente e surgir, aparecer".

 

 

A Extinção do Sofrimento

 

É possível superar o sofrimento. Embora os processos racionais e sociais sejam muito viciantes e arraigados em nosso complexo psico-emocional, Buddha afirma que eles podem ser superados, e que uma forma nova de visão e percepção do mundo é possível. O Sutra define a Verdade da Extinção do Sofrimento como a eliminação dos apegos e o estado de Nirvana.

 

Sutras primitivos descrevem Nirvana como eliminação das máculas, extinção da ganância, raiva e ignorância. Neste contexto, a extinção do sofrimento é Nirvana.

 

 

O Caminho para a Extinção do Sofrimento: O Nobre Caminho Óctuplo

 

A última das Nobre Verdades contém a prescrição de como aliviar a nossa insatisfação e alcançar a eventual libertação, de uma vez por todas, desse ciclo de vida e morte (samsara) doloroso e desgastante ao qual – pela própria ignorância (avijja) das Quatro Nobres Verdades – estamos presos por tempos incontáveis. O Nobre Caminho Óctuplo oferece um guia prático e completo para o desenvolvimento mental de qualidades e habilidades benéficas que devem ser cultivadas se o praticante desejar alcançar o objectivo final, a liberdade e felicidade supremas, o Nirvana. Embora estudados individualmente cada aspecto faz parte de um todo orgânico e indivisível.

 

Ponto de Vista Correcto - sabedoria e compreensão das Quatro Verdades Nobres e da Origem Interdependente. Alguns consideram como Fé Correcta, para os de pouca experiência que ainda não adentraram o nível da sabedoria superior.

 

Pensamento Correcto - pensamento ou determinação que precede acção ou fala. Para uma pessoa ordenada é a prática do pensamento correcto através da mente cada vez mais gentil, compassionada e pura. Para os leigos é pensar correctamente sobre a sua situação e agir determinadamente de acordo.

 

Fala Correcta - surge do pensamento correcto. Não mentir, não usar linguagem pesada, não falar mal dos outros, não caluniar, não falar frivolamente e usar a fala beneficiando a todos e conduzindo à harmonia, pela ternura que nutre a todos os seres.

 

Acção Correcta - surge do pensamento correcto. Não matar, não roubar, não cometer adultério. É praticar boas acções como a de proteger e cuidar de todos os seres, observando os valores éticos.

 

Meio de Vida Correcto - conduta correcta na maneira de viver, de se manter, com hábitos regulares e saudáveis de dormir, comer, trabalhar, fazer exercícios, descansar. Viver de maneira a melhorar a saúde, ser mais eficiente e criar harmonia, eficiência e saúde para todos. Ter meios de vida que considerem outros seres, outras formas de vida, o respeito e dignidade próprios e dos outros presentes e passados, as futuras gerações, a sustentabilidade e a melhor qualidade da vida.

 

Esforço Correcto - dedicar-se constante e assíduamente ao caminho de obter os ideais de fé religiosa, ética, educação, política, economia e saúde; produzindo e aumentando o que é bom e prevenindo e eliminando o que é mau.

 

Atenção Correcta - manter-se atento garante que com a correcta consciência e percepção nunca sejam esquecidos os objectivos ideais de fazer o bem a todos os seres. Na vida diária é agir com cuidado e atenção, pois qualquer momento desatento pode causar um desastre. Do ponto de vista Budista tradicional significa manter constante atenção à impermanência, sofrimento, não-eu.

 

Concentração Correcta -  aqui a referência é aos Dhyanas ou estados meditativos. Manter a mente calma e concentrada para permitir a manifestação da sabedoria completa e verdadeira a partir da qual surgem os pensamentos e acções correctos. Manter a mente clara e brilhante em tranquila actividade.

 

Na prática, o Buddha ensinou o Nobre Caminho Óctuplo aos seus discípulos de acordo com um sistema de treino gradual, iniciando com o desenvolvimento de sila ou virtude (linguagem correcta, acção correcta e modo de vida correcto, que na prática estão resumidos nos cinco preceitos), seguido pelo desenvolvimento de samadhi ou concentração (esforço correcto, atenção plena correcta e concentração correcta), culminando com o pleno desenvolvimento de pañña ou sabedoria (entendimento correcto e pensamento correcto). A prática de dana (generosidade) serve como um apoio para cada passo ao longo do caminho, já que actua como um auxiliar na corrosão da tendência habitual ao desejo e também porque pode trazer grandes ensinamentos sobre as causas e resultados das acções de cada pessoa (kamma).

 

O progresso ao longo do caminho não segue uma trajectória linear simples. Em vez disso, o desenvolvimento de cada aspecto do Nobre Caminho Óctuplo encoraja o refinamento e fortalecimento dos demais, levando o praticante adiante numa espiral ascendente de maturidade espiritual que culmina na Iluminação.

 

Vendo por um outro ângulo, a longa jornada no caminho para a Iluminação tem início a sério com os primeiros sinais de alguma movimentação na questão do entendimento correcto, os primeiros lampejos de sabedoria através dos quais a pessoa reconhece tanto a validade da Primeira Nobre Verdade e a inevitabilidade da lei do kamma (sânscrito karma), a lei universal de causa e efeito. A partir do momento que a pessoa se dá conta de que más acções inevitavelmente trazem maus resultados e que boas acções trazem bons resultados, o desejo de viver uma vida moralmente correcta e íntegra, de adoptar seriamente a prática de sila, cresce. A confiança criada a partir desse entendimento preliminar leva o praticante a ter ainda mais fé nos ensinamentos. O praticante torna-se um "Budista" a partir do momento em que expressa uma determinação interior de "tomar o refúgio" na Jóia Tríplice: o Buddha (tanto o Buddha histórico como o potencial de cada um de alcançar a Iluminação), o Dharma (tanto os ensinamentos do Buddha histórico como a verdade última que eles revelam), e a Sangha (tanto a comunidade monástica que protegeu os ensinamentos e os colocou em prática desde os tempos do Buddha como todos aqueles que alcançaram algum grau de Iluminação). Tendo fincado firmemente os pés no solo através da tomada do refúgio e, com o auxílio de um bom amigo para ajudar a indicar o caminho, a pessoa estará pronta para trilhar o caminho, confiante de que estará seguindo as pegadas deixadas pelo próprio Buddha.

 

Algumas vezes o Budismo é ingenuamente criticado como uma religião ou filosofia negativa ou pessimista. Apesar de tudo (esse é o argumento utilizado) a vida não é somente miséria e desapontamento: ela oferece muitos tipos de alegria e felicidade. Porque existe então essa obsessão pessimista no Budismo com a falta de satisfação e o sofrimento?

 

O Buddha baseou os seus ensinamentos numa franca avaliação da nossa situação como seres humanos: existe falta de satisfação e sofrimento no mundo. Ninguém pode contestar esse facto. Se os ensinamentos do Buddha parassem por aí, os seus ensinamentos poderiam de facto ser considerados pessimistas e a vida totalmente sem esperança. 

 

Porém, como um médico que prescreve o remédio para uma enfermidade, o Buddha oferece a esperança (a Terceira Nobre Verdade) e a cura (a Quarta). Os ensinamentos do Buddha portanto permitem ter um alto grau de optimismo num mundo complexo, confuso e difícil. Um professor contemporâneo resumiu bem: "Budismo é a busca da felicidade levada a sério".

 

O Buddha alegava que a Iluminação que ele redescobriu está acessível a qualquer um que esteja disposto a fazer o esforço e comprometer-se a seguir o Nobre Caminho Óctuplo até ao fim. Cabe a cada um de nós colocar essa afirmação à prova.


Fonte: Budismo Simples 

2 comentários:

  1. VISITEI SEU BLOG E GOSTEI. CONTINUAREI A EXAMINÁ-LO. PARABÉNS!

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  2. Olá, Simone!
    Muito obrigado pelas tuas palavras de incentivo. Fico contente por o meu blog te ter agradado e espero continuar a contar com a tua amável visita. Um forte abraço.
    Namastê!

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